sábado, 29 de março de 2008

Como a realidade pode ser contada como fantasia

Demorámos a descobri-lo. Não porque fosse secreto mas porque eram tantos os lugares que te queria mostrar que descurei este. Somente após muita insistência de outros, te abri este mundo.
Passear nos seus jardins era como folhear um manual de Bauhaus e tentar compreender o natural. É assim, porque tem que ser assim.
Aventureira, tentavas sempre marcar cada passagem, chegando a utilizar os labirintos para jogar às escondidas. Às escondidas, esse jogo tão simples, mas que nos recorda os tempos em que tínhamos preocupações mínimas. Nada era mais importante que ter isto ou aquilo. A vida podia ser em grande parte explicada com os bens materiais. Ainda não sabíamos que as melhores coisas da vida não são coisas.
Chegamos a um edifício. Uma livraria. Livros numa língua desconhecida não são impedimento quando o livro é visual. E por visual entenda-se um livro com fotografias.
Este…aquele….todos parecem interessantes. Mas há um que salta. Chama-se Laliqu. Laliqu? Sim, já viste os desenhos dele? É muito famoso. Não sei, não conheço. Confesso a minha ignorância. E como é difícil admiti-la a quem gostamos. Queremos sempre parecer perfeitos e indestrutíveis.
Será que o museu tem alguma peça dele? Não, não pode ter..ele é demasiado famoso para estar aqui.
Mas está, e há mais: é a maior colecção privada…do mundo! Vou conhecer o senhor Renée Lalique!
Vamos visitar o museu, não há outra hipótese. Já nem saíamos dali.
Mas só temos 2 horas. Não é suficiente. Sim, porque ver um museu com quem gostamos é um exercício curioso. Tanto admiramos a beleza das peças como a graciosidade do outro, a sua gentileza, o seu olhar…no fundo, contemplamos a sorte que temos.
O museu fecha…..só abre no dia seguinte.
A chuva predomina nesse dia. Não é ela que nos faz parar. Mas chegamos cedo, afinal, sempre fui um maníaco das horas e não consigo dominar o tempo. Ai como gostava de poder dominar o tempo e poder pará-lo naqueles momentos especiais. Há poucas coisas piores do que viver cada momento como se fosse uma ampulheta pensando sempre que está para acabar. Assim só vivemos para o futuro, pois não há tempo para desfrutar do presente. Mas adiante….
Chove e temos um chapéu. O museu não abriu. Vamos ver melhor os jardins. Passamos pelo presidente da fundação a quem damos os bons dias. E chegamos ao monumento.
Sim, um monumento de homenagem.
Os leigos em arte como eu não o conseguem explicar. Os entendidos também não. É o produto de uma imaginação, o resultado de uma visão.
Qual criança, perguntas se não haverá mais nada lá dentro, afinal, estão ali umas escadas.
E com os pés enlameados violas o espaço da arte, ficando tu também parte dessa mesma arte. Sim, porque no cimento imaculado, umas pegadas deixam sempre marcas….as tuas marcas…
Fico espantado…afinal, acabaste de alterar uma suposta obra de arte. Mas foste tu, e tu podes quase tudo. Porque tu própria és uma obra de arte que todos os dias se molda por si própria.
As tuas pegadas ali ficaram e nós fomos visitar o museu.
Deixei de te ver. A saudade aperta, mas a cabeça virou a página. Deixo de visitar o jardim….

Hoje passei por lá:….pensei e sorri: será que ainda consigo ver as tuas pegadas?

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