Se tudo correr como está previsto, às 23 horas de hoje, a Europa verá nascer um novo país: o Kosovo. Até quando?
O fim da guerra fria trouxe o regresso da instabilidade que, desde há muitos séculos, é vivida pelos povos da zona dos Balcãs. Puxando pela memória, recordamos Gravillo Princip, nacionalista sérvio que, em 1914, assassinou o arquiduque Francisco Fernando acendendo o rastilho que conduziu à I Guerra Mundial. Mais tarde, os Partizans de Tito resistiram ao poder expansionista de Stalin e aguentaram uma Jugoslávia ditatorial semi-independente de Moscovo. Com a morte de Tito em 1982, o país ficou entregue a uma série de caciques locais que procuraram manter a união pela força do cacete. Com o despertar dos nacionalismos dos anos 90, a “união” jugoslava desmoronou-se dando origem a diversos países. Para a opinião pública ocidental, Bósnios e Croatas eram vítimas nas mãos do forte e bem equipado exército sérvio que massacrava populações a seu belo prazer.
Com o fim da guerra, o ónus da culpa desta terrível guerra, recaiu sobre Belgrado e sobre os rostos do mal: Radovan Karazic, Arkan e, principalmente, Slobodan Milosevic, o ditador fora de tempo, o sobrevivente da antiga era soviética.
Inteligentes, a maioria albanesa que reside no Kosovo, resolveu empreender uma série de provocações a uma minoria sérvia que rapidamente mordeu o isco e solicitou ajuda a Belgrado. Milosevic foi ao Kosovo assegurar que os sérvios não iriam sair do seu território pois, para a nação sérvia, esse local está como Guimarães está para Portugal: é o berço da nacionalidade. Foi aí que, em 1389, o príncipe Lazar sucumbiu perante os invasores otomanos (curioso como os sérvios celebram o seu dia nacional em homenagem a uma batalha na qual foram derrotados). Milosevic assegurou e o exército empreendeu uma série de acções que foram logo consideradas como limpeza étnica, procurando assegurar que a população albanesa do Kosovo voltasse à situação de dominada.
Porque há em Washington quem se recusa (bem ou mal) a deixar a Europa em paz, os americanos e Bill Clinton cederam ao loby albanês e trataram de colocar a NATO ao serviço de uma ideia: destruir o poder sérvio naquela zona, reforçar a presença americana na Europa ( com as bases na Croácia) e punir o regime de Slobodan Milosevic.
Para isso, durante 78 dias, a sérvia viveu um clima de guerra, com forças internacionais a bombardearem alvos sérvios e montenegrinos.
Findo esse tempo, foi atingido um acordo em que a província do Kosovo passaria a ser administrada pelas Nações Unidas (com auxílio da União Europeia) até estarem reunidas as condições para uma decisão futura.
Para os albaneses, tratou-se de uma política de step by step. Não seriam desde logo independentes, mas pelo menos corriam com o governo de Belgrado e eram reconhecidos pela comunidade internacional como minoria étnica com direito à auto determinação. No direito internacional, só pode evocar o direito a uma autodeterminação uma minoria que seja comprovadamente mal submissa pois caso contrário, toda e qualquer consulta popular terá que contar também com a presença da totalidade da população (por exemplo, no Canadá, não é feito um referendo para a independência do Québéc pois toda a população canadiana teria que ser consultada). Foi através deste princípio que foi feito um referendo apenas em Timor Leste e não abrangendo toda a Indonésia.
Os albaneses sabiam que quando fosse feito esse referendo, a ditadura da maioria seria imposta e a sua vitória era inevitável. Mesmo sem referendo, o primeiro-ministro Hashim Thaci, vai declarar amanhã o nascimento de uma nova nação.
A grande questão que se prende com o novo Kosovo não se trata, como muitos afirmam, do abrir de uma caixa de Pandora em relação às independências que pode conduzir igualmente a estatutos similares no País Basco, na Irlanda do Norte ou na Flandres. O que está em causa no Kosovo relaciona-se com quanto tempo irá demorar este país a juntar-se à Albânia e formar, naquela zona tão frágil, uma grande Albânia.
Será que está ideia não é uma perversão simples do direito à auto-determinação? Trata-se de uma questão de secessão, não de independência. Por muito que seja negada, é feita aos sérvios, em pleno século XXI mais uma afronta que vai ficar no sangue daquele povo sempre tão vingativo. O
balance of power nos Balcãs é novamente alterado depois da separação formal entre Sérvia e Montenegro. Até quando o povo sérvio vai aguentar esta situação sem procurar na Rússia (seu velho aliado por questões religiosas e étnicas) uma tábua de salvação, ficando como testa de ferro de uma política externa anti-americana, em pleno centro da Europa, por sugestão da eminência parda que reside no Kremlin.
O nacionalismo sérvio já demonstrou nas últimas eleições que consegue dividir a nação quase a metade e o sentimento anti-ocidental cresce. Por muitas ajudas que lhes sejam dadas, o sentimento de revolta mantém-se.
Se ninguém queria deixar que os massacres continuassem, a solução encontrada parece-me que inequivocamente foi optado por escolher o caminho mais simples do que o caminho certo que seria, para mim, uma autonomia grande dentro da nação sérvia. Pois se houve vingança da parte dos sérvios, vingança haverá também da parte dos albaneses e essa a ONU não irá controlar. E nessa altura surge novamente a velha questão de Lenine...
que fazer?