(Ainda antes de ver a exposição)
Vai começar no próximo mês de Outubro um evento que não vou perder. O museu Russo Hermitage vai fazer em Lisboa uma apresentação das suas obras no sentido de preparar uma abertura (ainda rumor) de um pólo em Lisboa no ano de 2010.
A exposição, intitulada «De Pedro, o Grande, a Nicolau II - Arte e Cultura do Império Russo na Colecção Hermitage», estará patente na Galeria D. Luís I, no Palácio da Ajuda (Sala de Baile), e dará a ver obras de pintura, ourivesaria, mobiliário e vestuário.
Mal posso esperar para ver todo o esplendor da corte imperial dos Czares. Quem conhece (mesmo que um mínimo como eu) a cultura russa sabe de toda a sua grandiosidade e vontade de impressionar o outro para demonstrar que o urso continental era grande em tudo (custa-me utilizar o urso continental…para mim os ursos são os Hohenzollern prussianos…..).
Mas se pegar-mos nesta ideia vamos ficar abismados (mais uma vez…) pelas enormidades feitas durante o regime que governou a Rússia de 1917 a 1991.
Durante esse tempo, toda a criatividade russa ficou dependente das vontades de vários aparatchiks, todos com medo uns dos outros e com um medo ainda maior dos Czares vermelhos que viviam no Kremlin e dos seus cães de guardada Tcheka e (depois) do KBG.
O tempo dos Romanov não foi propriamente caracterizado por uma democracia e por um alegria geral. O império russo era um território muito atrasado, onde os opositores eram enviados (de férias..) para exílios no Cáucaso ou na Sibéria.
A sociedade era feudal, com uma estratificação rígida das classes sociais. Os ricos eram muito ricos, e os pobres eram um bando de miseráveis. A liberdade, existia desde que não colocasse em causa o status quo do império.
O Czar governava o território de uma maneira que já não se via. Não tinha que prestar contas de nada a ninguém, pois o seu poder provinha directamente da graça de deus e só ele poderia fazê-lo abdicar. Prova disso era a sumptuosidade da corte russa, ao nível dos tempos da corte francesa de Luís XIV, onde o luxo e o modernismo eram presença constante. Para os grandes joalheiros da Europa (como Carl Fabrégé), uma visita à Rússia era recebida com um sorriso na cara.
Com a decisão de Pedro I (dito, o grande) que virou a atenção da Rússia das conquistas a leste para o concerto europeu das nações, a cultura naquele país começou a criar bases para a excelência que atingiria no século XIX.
As obras russas são difundidas a nível internacional e nomes como os de Fyodor Dostoevsky, Lev Tolstoy, Pyotr Ilych Tchakovsky e Sergei Rachmaninoff (este mais tarde) atingiram uma imortalidade que continua, ainda hoje, influencia homens e mulheres dos mais variados cantos do mundo.
Os irmãos Karamazov, Guerra e Paz, o Idiota, óperas como o Lago dos Cisnes, o Quebra Nozes e 1812 levam-nos a um imaginário glorioso que nos faz sonhar com príncipes e princesas, com cortes e com faustos, com honra e paixão, com a vida e a morte.
A cultura russa começou a impor-se e permitiu uma inimaginável internacionalização dos valores e dos sonhos daquele país.
Ma tudo mudou.
A revolução de 1918 (a de Outubro) com base Marxista, feita pelos (pseudo) trabalhadores com objectivos de virar de pernas para o ar a sociedade russa veio trazer medo a todos os criativos.
De repente, a iniciativa, a ideia, a beldade eram tudo pontos de vistas julgados por um tribunal revolucionário cujo objectivo era fazer as pessoas viver a vida real e não pensarem que poderiam fugir da mesma, mesmo que por breves momentos de leitura.
Dos grandes autores russos, apenas Maxim Gorki aceitou colaborar com o novo regime, e mesmo ele após longas negociações com o partido que lhe permitiram regressar em triunfo e retirar-se para uma dacha longe do dia a dia dos comuns trabalhadores.
Quando a moeda forte começou a escassear, Stalin deu ordem para que os grandes museus russos começassem a vender (em segredo) as suas obras de arte. Para nossa sorte, O sr. Calouste Gulbenkian tinha os contactos e a visão certa para adquirir tamanhas preciosidades. Quando veio a público o negócio (que também envolveu magnatas americanos) um furioso Stalin tomou a decisão habitual: fuzilar o director do museu e proteger o responsável do partido.
Durante anos a cultura russa gerou livros medíocres e músicas patéticas. A cultura tornou-se uma arma só o bailado arte de uma beleza natural extrema (que só após muitos anos aprendi a gostar…o termo tem que ser mesmo observar e calar para aprender). Com ironia, as fantásticas noites no teatro Bolchoi, tinham como ponto alto e obrigatório aplaudir da chegada do camarada Stalin. Aqueles que fossem os primeiros a parar o aplauso ou a sentarem-se (revelando pouco espírito revolucionário) eram contemplados com uma viagem até à Sibéria por um período de 10 anos. Acaba por ser a imagem perfeita de toda a produção cultural russa durante o período comunista.
Um dia tudo mudou: a obra Dr. Jivago, de Boris Pasternak, passada para o ocidente depois de ter sido escrita no medo, mostrou ao mundo que a qualidade literária dos russos se mantinha e mais, que o mundo feliz transmitido pela propaganda não existia.
A União Soviética era um país de sonho pois a felicidade só existia nos sonhos.
Depois, Aleksandr Solzhenitsyn ( Gulag e Um dia na vida de Ivan Denisovich)ajudou a denunciar os crimes Stalinistas e o modo de vida no país. A União Soviética tinha a realidade as cidades e dos campos de trabalhos forçados…tudo o resto era transitório.
Mas, de tudo aquilo que foi produzido durante o século XIX quando comparado com a parca produção do século passado, só nos podemos interrogar se não haverá, e facto, um machado que possa cortar a raiz ao pensamento
Nota: de onde vem o nome CZAR? Vem do nome CEASAR, o líder romano pois o grão-ducado de Moscovo sempre se considerou herdeiro do império romano devido à sua grandiosidade (nada pretensiosos, leia-se). Curiosamente o termo alemão KAISER vem simboliza o mesmo e provém da mesma palavra.